14 Nov
14Nov

Aconteceu no dia 13 de novembro, o Encontro de Povos e Comunidades Ameaçadas do Pantanal/Chiquitania, com a presença das comunidades locais e da região como Morraria, Comunidade Zé Alves, e de comunidades tradicionais de San Ignacio de Velasco, da Bolívia, e povos originários da etnia Chiquitana, de Porto Esperidião e da Bolívia. 

Nos últimos anos, todos os biomas sofrem com atividades prejudiciais. Com o Pantanal não é diferente. Atividades como o desmatamento, que afeta a vegetação nativa, o uso indiscriminado dos recursos hídricos para o beneficiamento individual e de grandes empreendimentos, incêndios florestais, como os que afetaram o Pantanal nos últimos anos e mais expressivamente em 2020 e 2021. 

Outro problema sério é a invisibilidade e o silenciamento dos povos originais tradicionais. Então, este encontro visa levantar quais problemas e ameaças  assolam as comunidades/empreendimentos presentes no Pantanal, em âmbito da sua localidade. 

Conduzida por Clóvis Vailant - colaborador do Instituto Gaia Pantanal e membro da coordenação coletiva da REESOLBIO, o diálogo foi iniciado. Com todos reunidos na sala, foi proposta uma dinâmica para apresentação e discussão. Dois temas principais foram elencados: principais ameaças e os principais problemas. Foram divididos grupos, para sistematizar o diálogo e proporcionar a todos que pudessem ser ouvidos.

Na frente da sala foi disposto um desenho com um mapa que representava todos os presentes. A ideia era que todos colocassem um bilhete com seus apontamentos na sua localidade, ficando visível a luta em todos os territórios. Alguns pontos levantados como ameaças e problemas foram mais recorrentes. Foram eles: construção de Hidrelétricas e Portos; apropriação do território por outrem; mineração ilegal; contaminação dos rios; perda da ancestralidade.

Os que mais sofrem são os povos originários e a comunidade tradicional que ainda resiste em seu território. O grupo em que estavam os povos originários elencou algumas questões que sentem como ameaças e por consequência provocam alguns problemas sentidos na pele, por eles que vivem lado a lado com a tentativa diária de tomada de território por fazendeiros e setores privados, que não respeitam sua presença ancestral nessa terra. 

Aguinaldo Massavi, indígena chiquitano e líder do STTR-Porto Esperidião disse “as hidrelétricas, sobretudo as PCHs são as principais ameaças ao rio Jauru, gerando impactos como a mortandade de peixes, com consequente comprometimento do sustento e subsistência dos pescadores ribeirinhos que precisaram buscar outras fontes de renda”. Citando também os agrotóxicos dispersados pelos fazendeiros, com a criação de gado nas margens do rio Aguapeí, que é uma área de APP (Área de Proteção Permanente).

Mencionando ainda a falta de consciência de classe de alguns que praticam a  agricultura familiar, que tomaram para si o discurso do agronegócio que, nas palavras de Aguinaldo “têm mais de 5 cabeças de gado e se sentem grandes fazendeiros”. Chegando até a sofrerem ameaças quando estavam no rio Aguapeí. Edson, que é do território Umutina, da comunidade Águas Correntes, citou uma questão muito importante que é a perda das características próprias de sementes e plantas crioulas, pelo ataque de pragas vindas de monoculturas próximas, que eles têm pouco conhecimento de manejo técnico para poder combatê-las.

Sendo comentado ainda outras ameaças, como o represamento dos rios, lagos e nascentes, que causam a falta de água e muitas vezes, a contaminação pelo setor agrícola e pecuário. O grupo em que estavam as Comunidades Tradicionais Pantaneiras tratou de uma ameaça muito presente no cotidiano das famílias, que é a produção de alimentos. Claudia Sala de Pinho, coordenadora regional da REDE comentou “a mudança na alimentação  compromete a vida das comunidades tradicionais pantaneiras e a qualidade e presença da água para a produção de alimentos na comunidade é primordial”.

Neuzo Antônio de Oliveira, integrante do Comitê Popular do Rio Paraguai/Pantanal, ressaltou que as principais ameaças são a Hidrovia Paraguai-Paraná e os portos, as Pequenas Centrais Hidrelétricas, o uso de agrotóxicos e os incêndios florestais. Deixou claro que “o sistema econômico busca o lucro para um pequeno grupo em detrimento do bem de todos como o corte de investimento em educação, pois quanto mais mal informados estivermos, menos questionamentos serão feitos, e o pouco investimento em saúde pública”. Falou sobre o retrocesso vivido pela aprovação do Projeto de Lei 561 que altera a Lei do Pantanal 8.830 de  de 2008. 

Em linhas gerais essa mudança reduz a proteção das margens do rio e abre a possibilidade de plantios monoculturas de pequenos e médios portes comerciais, como por exemplo a cana-de-açúcar, reduz pela metade a proteção de ACP (Área de Conservação Permanente) dos cursos d’ água efêmeros (Passageiro) com atividades turísticas sem definir os impactos, lembrando-se que o Pantanal possui anos com níveis maiores de cheia e anos com níveis menores, e isso torna o bioma extremamente complexo, não sendo tão simples definir cursos de água efêmeros. Ressaltou também  a importância da atuação dos Comitês Populares nas tomadas de decisões.

A comunidade da Morraria de Nossa Senhora do Livramento, apontou como ameaças o garimpo ilegal e o desmatamento de áreas com vegetação nativa para substituição por  pastagem e monocultura. Como problemas citaram a seca, solo empobrecido, que não produz alimentos com qualidades e a escassez hídrica. Um ponto interessante foi a necessidade da comunidade por poços artesianos - que, segundo uma moradora, "antes existia um poço artesiano para toda a comunidade, agora há cerca de 15 poços”. Relataram uma situação, que presenciaram o Rio Brumado e algumas nascentes secarem e serem cercados pelos fazendeiros. Uma total contradição da comunidade, que tenta a todo custo preservar as nascentes e reflorestar suas margens.  

O coletivo de Jovens da Reserva da Biosfera do Pantanal, aqui representados pelos integrantes presentes no encontro em Cáceres,  apresentaram como resultado do diálogo um tema muito importante para os dias atuais: a saúde mental. Que infelizmente é preconizada pela falta de políticas públicas para este tema e a falta também do incentivo à permanência dos jovens em suas comunidades.

Lourdes Yopié e Antonia Masay, da comunidade campesina Sanõnama de San Ignacio de Velasco, na Bolívia, abordaram várias questões similares às citadas pelos povos Chiquitanos do Brasil, evidenciando como as ameaças atingem todo Pantanal, formando os humedales sem fronteiras. Sendo ainda criticado por Lourdes como o machismo que as mulheres e jovens sofrem e que as impede de se colocarem em evidência, em status de liderança.  E concluíram retratando a falta de políticas públicas, que favorecem os outros e não os povos originários.

A jovem empreendedora de Nossa Senhora do Livramento, integrante da AMURQ -  Associação das Mulheres do Quilombo, Maisa Barros, comentou sua preocupação com o rio da região que está secando e os peixes acabando. “antigamente via-se muito peixe e muita água, hoje a realidade é outra e é claro que isso é consequência do uso de agrotóxicos bem próximo a comunidade”, relatou também que algumas espécies estão sumindo, que antes eram vistas com frequência nas localidades.

Aqui há a superestimação dos líderes políticos que pensam serem os detentores de todo o conhecimento e os representantes da comunidade, quando na verdade somente a comunidade pode falar por si e ninguém melhor do que ela para saber as suas reais necessidades”, fala de um dos representantes de uma Cooperativa da região de Nossa Senhora do Livramento e da comunidade Mata Cavalo.

Todos os grupos abordaram temas que influenciam diretamente as mudanças climáticas que estamos vivendo e que mudam os padrões de temperatura e clima, afetando as pequenas produções e consequentemente a diminuição do ganho. Isso aumenta os riscos de eventos climáticos mais intensos como tempestades, secas extremas e inundações. Os povos originários e as comunidades tradicionais são os primeiros a sofrerem com tais mudanças, então, faz se necessário que  a sua fala seja escutada e levada em consideração quando se trata da proteção e preservação dos biomas.

Por:  Maura Palocio, Uirandi Artioli e Wisllene Souza

Fotos: Instituto Gaia Pantanal

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