02 Nov
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A artista plástica Rosana Margareth Schmitt Silva, de nome artístico Ro Schmitt, faz parte do 26º Salão Jovem Arte de MT - Despertar Discos Imaginais. Seu projeto é uma instalação e se chama Espiral Vida.  Trata-se de um conjunto de elementos naturais: fragmentos de solo ressecado do local onde existia uma lagoa, madeira ressecada e retorcida em formato de peixe e sementes coletadas na região de Cáceres. Algumas espécies vieram do sítio onde mora, e foram colhidas e organizadas por sua filha Maria Rita. Outras foram coletadas e disponibilizadas pela equipe do Instituto Gaia - devido a pandemia a equipe seguiu todos os protocolos de segurança, e não deixou de oferecer seu apoio. Também participou da doação de sementes o Núcleo Experimental de Permacultura e Bioconstrução do Pantanal (Nepbio). Foram utilizadas sementes de espécies importantes aqui do Pantanal, como por exemplo mandovi, cumbarú, jatobá, ipê, jacarandá e aroeira. Após o período da exposição na galeria Lavapés (SECEL) em Cuiabá,  as sementes voltarão para Cáceres e serão plantadas, respeitando-se suas especificidades.


Instituto Gaia: Como foi feita a instalação? 

Rosana: Organizamos cada espécie de sementes separadamente com um mês, aproximadamente, de antecedência, à data de montagem. Foram necessários dois dias para organizarmos a espiral. Havia feito uma simulação alguns dias antes de modo a minimizar os contratempos que pudessem surgir. Levamos tudo praticamente pronto. No chão da galeria, montamos uma base previamente cortada e colada de papel paraná com 3m de diâmetro que foi sendo preenchida a  partir do centro com os fragmentos de solo e o “peixe pau”. Aí foram sendo distribuídas as sementes em espiral na sequência sugerida por quem trabalha com a terra e também com atenção à estética contemporânea: contrastes, cores, texturas buscando uma composição que despertasse interesse e admiração. Foram produzidos pequenos suportes, um para cada exemplar, de modo a compor um painel instalado na parede da galeria próximo a espiral, para que as pessoas possam admirar as belas características de cada semente.


Instituto Gaia: Como foi feita a escolha das espécies a serem utilizadas? 

Rosana: A escolha foi feita baseada na espiral de sucessão. Espécies que devem ser plantadas seguindo uma certa sequência, para a regeneração do solo. São as chamadas sementes de placenta, pioneiras, secundárias e clímax). Estão expostas em ordem crescente (do centro da espiral para a borda): Guandú Preto, Feijão Guandu, Girassol, Feijão de Porco, Crotalária, Gergelim / Urucum, Chico Magro, Timbó, Cajuzinho do Cerrado / Faveiro, Ipê roxo de bola, Sombreiro, Farinha Seca, Aroeira, Tamboril, Angico vermelho, Carvoeiro, Amargoso, Moringa, Jacarandá / Jatobá, Cedro, Barú, Teca, Babaçu, Sucupira.



Instituto Gaia: Poderia falar um pouco mais sobre como será realizado o plantio dessas sementes?

Rosana: O plantio será realizado em dezembro, após o fim da exposição e no período das chuvas. As espécies irão compor o arranjo agroflorestal em conjunto com espécies alimentícias de ciclo curto (milho, amendoim, feijão, abóbora etc) e com espécies frutíferas (com foco na banana e no abacaxi). Antes do plantio, as espécies serão agrupadas de acordo com seu estrato (quantidade de luz que aquele indivíduo necessita para seu desenvolvimento) e com seu estágio sucessional, para que elas sejam plantadas no local mais propício para seu crescimento pleno - o que inclui a definição prévia de quem serão suas companheiras (árvores de ciclo mais curto ou mais longo) nessa jornada. Além disso, realizaremos a quebra de dormência de algumas espécies (como, por exemplo, do Chico Magro) para aumentar a taxa de sucesso da germinação das mesmas. O método do plantio será o da Semeadura Direta, indicado em plantios de alta densidade, em projetos de restauração e também no contexto agroflorestal, por permitir o melhor desenvolvimento das raízes das plantas, melhor adaptação do indivíduo no local e menor estresse, uma vez que a espécie já se desenvolve e estabelece no seu lugar definitivo.


Instituto Gaia: Como surgiu essa ideia? Desde o contexto, os elementos, a significância de um projeto como esse.

Rosana: A edição do 26º Salão Jovem Arte de MT tem um tema sugerido como norteador para os artistas. É Discos Imaginais, que, para mim significa a transformação,  o desenvolvimento, a libertação. Isso me levou a pensar em obras que fossem além de somente mostrar a tragédia das queimadas ou as terríveis consequências da poluição e do consumismo que estamos testemunhando nos dias atuais. Comecei a observar a minha volta e a refletir sobre as minhas ações, assim como de meus filhos e  marido. Nossa família admira, agradece, respeita e se preocupa com nossa Mãe Natureza. 

     Agimos na tentativa de contribuir para a regeneração do solo. Moramos num sítio chamado “Lagoa dos Patos”, na zona rural de Cáceres.  Foi batizado com esse nome pela grande quantidade de aves, inclusive lindos patos que viviam numa bela lagoa há pelo menos 30 anos. Neste ano de 2021 a lagoa secou. Não há mais água, muito menos patos! Meu marido se dedica a auxiliar nossa filha, Maria Rita, que é gestora ambiental e  trabalha diariamente na terra mantendo uma saudável troca de saberes e práticas com o Instituto Gaia (que a incentiva e apoia), vizinhos agricultores, biólogos, permacultores.                 Seguimos fortes e é claro, estamos muito tristes com a tragédia ambiental que já acontece em muitos pontos do planeta. Meu filho encontrou, a alguns meses, um pedaço de pau que se parece muito com um peixe e desde então este objeto fica na varanda, como uma mascote a nos encorajar e fortalecer no propósito de plantar, de auxiliar a vida a brotar, de “chamar a chuva”, de mudar hábitos insalubres.

 A intenção desta instalação é mostrar as consequências do desmatamento e incentivar a ação de plantar e compartilhar esse propósito, provocar a mudança de hábitos com urgência, e levar conhecimento de algo que pode ainda reverter a tendência da seca terrível. A potência das sementes para regeneração do solo.Do ponto de vista estético, quero ressaltar a beleza e materialidade, a plasticidade dos elementos. A composição em espiral, além de significar um processo evolutivo, tem uma força visual impactante (a exemplo de maravilhosas composições de artistas da land art).  

     As sementes (de crotalária, urucum, feijão de porco, guandú, embaúba, chico magro, baru, ipê, e muitas outras) são lindas com formatos e cores interessantíssimos e sendo dispostas com critério em composição cuidadosa, poderão ser contempladas na sua singularidade. Têm uma potência incrível, em todos os sentidos e são as nossas salvadoras!


“Agradeço imensamente ao Instituto Gaia e a todos aqueles que contribuíram para a realização deste projeto. Esta instalação ficará em exposição na Galeria Lavapés, no prédio da Secretaria de Cultura do Estado, em Cuiabá, até dia 12 de dezembro. Ficaríamos honradas com a visita de todos. Muito obrigada, Rosana.” 

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